segunda-feira, 7 de novembro de 2011

E aí se foram...



Continuando o episódio "transitoriedade da vida", acabo de testemunhar mais uma vez este inexorável fato. Neste sábado de manhã, um lindo dia por sinal, depois de alguns dias nublados e chuvosos, percebi que nossa amiga sabiá (se é que posso chamá-la assim) movimentava-se freneticamente pela varanda. Ia e vinha ao ninho como quem tem algo a fazer de urgente, e então percebi que havia chegado o dia D, quer dizer, o dia S quando os sabiazinhos deixariam o seguro e confortável berço.

As penas já eram visíveis a alguns dias. Quando eles levantavam os bicos pra receber o alimento que a mãe trazia no bico, deixavam à mostra o pequeno corpo já emplumado. Aliás, bem mais bonitinhos, por que depenados eram um horror!

E neste sábado, talvez pelo fato do dia quente, claro e convidativo ao voo livre, um deles já se aventurava na borda do vasoninho. Quieto, quietinho, imóvel mesmo, como quem está pegando fôlego, se concentrando, ganhando coragem, revisando a técnica, para então, não cair de cabeça no chão, e sim, no mundão verde.

Imagino que a mamãe sabiá tenha dado as instruções teóricas durante este mês de comidinha no bico e muito soninho. Agora seria a hora de testar na prática o aprendizado, viu passarinho?! Imagino que ela deva ter passado a limpo com eles cada lição e exigido um teste teórico final com mínimo de 90% de acerto, pois caso contrário estariam em apuros nas mandíbulas felinas circundantes. Voar é fundamental nesta selva! Ouçam todos o meu conselho!

Pois então, o mais esperto dos três, quando olhei, já havia sumido do mapa, do vaso quero dizer, nem sinal dele, nem rastro no céu, muito menos na terra. FUI! Diria ele aliviado pela tensão do primeiro voo.

E os outros? Seriam eles mais imaturos, preguiçosos, inseguros, menos aplicados nos estudos, ou quem sabe espertinhos... Ah! Ficar no ninho um pouco mais talvez garanta mais um rango, mais uma caminha quente, um colinho, um beijinho da mama e quem sabe um último sonho lindo. Boa idéia, mas acho que pensaram bem e resolveram que a liberdade tem seus encantos.

Voltei pra dentro de casa e um pouco mais tarde vi que os outros dois já estavam fora do ninho. Um deles empoleirado no vaso de planta no chão e o outro na cerâmica da varanda. Ai meu Deus, pensei! Se eles não forem rápidos uma cotia poderá pegá-los. Mas dirão alguns: cotia é herbívoro. Um dia um jardineiro disse que os coelhinhos estavam sumindo de Carajás e perguntei o porquê. Esperava por qualquer resposta menos a que ele me deu, "as cotias comem os coelhos". Pois é, né? Coisas deste mato sem cachorro, vai entender. Na dúvida, fui correndo pegar minha máquina fotográfica com a idéia de fincar posto na varanda até que eles decolassem. Instinto de preservação e de oportunidade, é claro!

Aproveitei a imobilidade das criaturinhas e fotografei até não poder mais. Encostada na parede, deitada no chão, agachada, sobre a cadeira, de longe, de perto, por cima, por baixo, na diagonal, uma sessão fotográfica de muitos movimentos, diferentemente do padrão, onde quem se move é o modelo. Me senti uma Sebastião Salgado.

Tranquilidade, podem pensar... ledo engano... pois a sabiá cantava alto, voava rasante, olhava fulminante e chegou a pousar no chão da varanda bem perto pra me desafiar. Eu li nos olhos dela, eu sabia que corria perigo, já haviam me dito que estes pássaros é quem mandam no pedaço e ai de quem tirar proveito de suas crias. Eles viram bicho, mesmo!

Mas eu não me intimidei, fui adiante, respiração presa pra não tremer a foto e não mostrar fraqueza. Olhei de volta dando minha resposta: "é só fotografia, minha amiga sabiá". E com este tom de intimidade, acho que ela entendeu. Consegui terminar o serviço e no último shot que arrisquei bem mais perto, um dos babies voou rasteiro pra garagem, seguido de sua mama que foi correndo, quero dizer, voando ao seu socorro com mais proteína no bico. Reforço alimentar pra enfrentar este monstro grande de bico longo e preto.

O outro irmão continuou na dele, aguardando novos acontecimentos, mas isto não durou muito. Por volta das doze horas, quando o sol já dissera que não iria embora enquanto todos eles não encarassem a grande aventura do dia, sem mais nem menos, o pequerrucho levantou voo.

E agora, só me lembro do Mário.

"Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho
Eles passarão
E eu passarinho"