domingo, 15 de agosto de 2010

Tem mutuca e mutuca
















Depois de um tenebroso inverno, dois meses no Rio, cá estou eu de volta, apesar de uma certa preguiça pra escrever. Acho que a inércia reinante se apodera de nós seres fadados a viver esta experiência amazônica sem ter nada haver com isto tudo aqui.

Que estranho lugar que apesar do romantismo do ser floresta não nos deixa livre das maldições que a ela pertence e que com mais outro tanto de bendições, fazem dela o equilíbrio perfeito neste planeta em mutação.

Hoje fomos a uma cachoeira. Continuo querendo desbravar as terras vermelhas que cada vez trazem mais riqueza ao país, visto que a China continua crescendo e necessitando ainda muito do nosso excelente minério de ferro. É impressionante ver nesta secura toda - porque agora é verão e chuva por aqui é coisa rara - o pó vermelho entranhando pelas pequenas brechas, qualquer uma, dos carros, das pequenas plantas, das grandes castanheiras, dos pássaros e insetos, é um pó fino que parece entrar pelos nossos pulmões e deixar nossas entranhas áridas como o ar que respiro agora.

Ainda bem que temos muita água pra umedecer a pista por onde os caminhões gigantes carregados de centenas de toneladas de minério passam, num vai e vem de vinte quatro horas por dia. Isto aqui não pára nunca, nem com acidentes fatais que tive notícia na semana passada. Ainda bem que chega água para molhar nossos jardins que parecem palhas e nossa horta que ainda resiste a nossa ausência prolongada até que as torrentes de água recomecem a cair em novembro.

Água não falta por aqui, eu espero que nunca pois esta ilimitada fonte em nossas casas mantém nossa alegria depois de um bom banho e uma roupa bem lavada na máquina, um suco de manhã e aquele copinho d'água em jejum que aprendi a tomar. A década do cinquentenário continua passando e esta água tem que ajudar a irrigar este meu corpo cada vez mais ressecado.

Mas falando em água, nosso passeio eram nas Águas Claras, cachoeira conhecida na região como ideal para banho por causa dos seus poços rasos e límpidos. Própria para crianças, são os adultos que se deleitam nas investidas pela trilha forrada de folhas belas-mortas, na antevisão da grande queda d'água. Nossa atração por água é algo realmente pré-natal, começo a entender cada vez melhor que da água viemos e talvez para ela voltemos. Planeta Água, como diria Guilherme Arantes.

Estávamos em quatro carros e haviam quatro crianças. A expectativa era de que passaríamos uma manhã gostosa com muitos mergulhos e banhos nas águas claras da cachoeira. Estacionamos os carros e começamos a caminhada. Depois de alguns minutos já ouvíamos o seu barulho no meio de tantos assovios e cantos de pássaros. Digo assovio poque aquele pássaro do fiu-fiu estava lá com toda a sua gangue. Não sei de onde aparecem tantos cantadores paqueras, mas enfim, acho que somos bem vindos.

E chegamos a bela linha d'água enchendo poços arredondados, cristalinos que sem pudor mostravam toda sua profundidade. Rasos, gélidos, verdadeiros espelhos dágua. Com pressa tiramos nossas roupas e arrumamos lugar para as mochilas. E depressa chegaram as mutucas, os carrapatos, as aranhas e formigas.

Talvez tivessem antas próximas, nosso geólogo de plantão logo logo anunciou, e sem escrúpulos disse que aquelas mutucas, moscas gigantes, tinham uma picada muito dolorosa e ainda por cima deixavam bernes no nosso corpo, que cresciam e comiam nossa carne.

Sempre digo que a ignorância muitas vezes é coisa bem vinda. Se nosso geólogo, que já havia sofrido de um berne na cabeça que ainda por cima tinha sido extraído pela sogra (acho que não preciso dizer mais nada), não tivesse falado dos atributos do tal moscão, ninguém teria dado a mínima para o inseto e teríamos ficado apenas com o incômodo dos seus ataques.

E para fazer curta uma história que foi curta mesmo porque não ficamos mais que meia hora no lugar, mergulhamos na água mais fria e mais limpa dos últimos tempos, escorregamos na cachoeria, caímos de bunda nas pedras roliças, pisamos no chão raso e irregular e tiramos algumas fotos para registrar o feito. O sorriso saiu fácil, assim como os gritos, enquanto isto nosso geólogo, profundo conhecedor dos matos mineiros e adjacências, nem se quer tirou a roupa e com o auxílio de uma toalha espantava freneticamente as mutucas que pareciam ter encontrado uma excelente vítima. Dentro d'água nos sentíamos refrescados e seguros, nenhum inseto, nem mesmo uma cobra d'água me passava pela cabeça.

Voltamos para casa e a primeira coisa que nosso geólogo fez foi googlar e acabar descobrindo que algumas espécies de mutuca não colocam berne, talvez por isto o gado que povoa as terras desmatadas da região não tenha berne. Resolvido o mistério, a paz voltou a reinar, mas o programa de índio já tinha sido feito. Agora só restava esperar as chuvas, que com certeza, segundo nosso guia engenheiro florestal, levam todos os insetos embora.