quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Inércia

Não sei ao certo se fiquei todo este tempo sem escrever (se passam mais de trinta dias sem uma palavra blogada), por conta da minha lenta, persistente e sobrevivente adaptação a estes recantos amazônicos, ou se um fato muito maior que eu e tudo que me cerca aponta-se como o mais emergente de nossa existência.

Meu irmão tem câncer de pâncreas diagnosticado a menos de dois meses. Como diria o paraense, "pense num cara saudável", é o meu irmão, ou melhor era. Alguém que você apostaria que morreria saudável aos 90 anos, caminhando diariamente pela praia como um bom "rato de praia" que é, comendo "mato" como ele mesmo define sua combate-triglicerídeos refeição e dando aulas de inglês aos alunos que agora percebemos como presentes amigos.

Um soco no estômago nos pegou distraídos, nos nocauteou e ainda estamos grogues tentando nos reerguer. Estamos tocando a vida da maneira mais positiva possível, mas volta e meia a sensação dolorosa de que a qualquer momento podemos perder nosso irmão nos derruba de novo. É uma luta que, apesar de querermos pensar diferente, as evidências e nossa racionalidade nos leva a crer que ela nasceu perdida.

Mas então, vem a questão: perdida pra quem? Quem sai perdendo neste jogo? Nós que continuaremos buscando sentido pras nossas existências ou pra ele que diante da possibilidade da não-existência passa a ganhar o real sentido?

E aí outras questões se apresentam: o que realmente tem valor em nossas vidas?

Sou testemunha de que meu irmão é pessoa muito querida. Estava no hospital quando presenciei suas visitas: parentes, que já são esperados e que fazem muito bem trazendo conforto e boa energia, e amigos, que compareceram e telefonaram durante todo o mês de internação. Foram manifestações de amizade que nos impressionaram. Meu irmão com seu jeito prático e direto nos deixou surpresos com sua generosidade e carinho nas relações. Fato que talvez não tenhamos percebido devido a intimidade, às vezes danosa, que cerca as relações familiares.

E ai vem outra questão: no que nos transformamos, quem somos nós depois de 45 anos de vida?Parece pouco se consideramos a expectativa de vida atual, mas foram muitos anos desde que colocamos o pé no chão e passamos a andar com nossas próprias pernas. Tivemos que escolher caminhos, relações, posicionamentos, e agora, a mais difícil das escolhas, como encarar o fato de que um dia vamos embora.

Todo nosso apego a vida deve fazer algum sentido, e acho que realmente faz nestas horas, quando podemos e queremos exercitar toda a nossa humanidade. Talvez ela tenha sido exercitada de forma capengante na luta pela sobrevivência. Pensando bem, acho que sempre fomos náufragos celebrando a praia alcançada. Mas agora, diante da falta de porto seguro, o que fazemos de nós.

Estamos diante da maior das inércias e acho que ela é quem nos salvará. Que a Mão Maior nos conduza ao melhor de nós mesmos e nos faça enxergar algum sentido nisto tudo.

Por ora, estou aqui neste mato sem cachorro, mas pelo menos, voltando a blogar.

Um comentário:

  1. Estou aqui no hospital na minha própria inércia com as mesmas perguntas. Muito bem dissertado!

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