quinta-feira, 12 de abril de 2012

A maré tava mesmo era pra peixe











Água, mais água, mais e mais, mas muuuuuuuita água, ninguém do sul maravilha tem noção de quanta água este Pará tem. Será este o Planeta Água cantado pelo Guilherme Arantes? Pois bem, estivemos no Marajó. Por favor não me corrijam, por aqui não se fala "estivemos na Ilha de Marajó". Na, na, ni, na, não. Se fizer isto, será corrigida imediatamente por um nativo ofendido que lhe colocará nos trilhos marajoaras.

Já havia algum tempo que pensava em visitar aquele recôndito destino. Sim, digo isto porque nunca havia ouvido alguém dizer que tinha ido passar férias ou aproveitar o feriado no Marajó, ou na Ilha de Marajó, se preferirem. O lugar é loooooonge, a gente tem que ir até Belém, que para os paulistas, cariocas, ou qualquer outro habitante deste imenso Brasil, é lugar que não consta dos principais pacotes turísticos e que fica no extremo norte deste país gigante, sendo assim, as passagens aéreas são muito caras, então é melhor ir pra NY, pensam muitos.

Em Belém se pega uma barca às 6.30h da manhã (ainda era noite quando chegamos ao porto). A viagem dura 3 horas e a barca vai singrando as águas barrentas da Baía de Guajarás até a Baía de Marajó.

Opa! Chegamos! Porto de Camará! Não, ainda não, pegamos então um micro-ônibus que nos levará até Soure, a principal cidade da ilha e onde ficaremos hospedados. Mais 38 km de estrada e uma travessia de balsa. Ufa! Finalmente chegamos ao "O Canto do Francês". Pois é... lá está escondido Thierry, este francês que a 8 anos está ilhado do mundo, tocando sua pousada de pés descalços e com um português picado e tímido. Mas que chef! Preparou comida deliciosa com estética e porção francesa que fizeram do filhote e da dourada, os peixes mais santos de toda a Semana Santa.

Deixamos as malas no quarto, almoçamos e nos preparamos para o que seria o primeiro passeio. Digo SERIA, porque convenhamos, passear por uma fazenda de búfalos com diversas interrupções por animais peçonhentos e mamíferos extremamente sensíveis por conta dos filhotes recém paridos, não é bem um passeio mas uma aventura.

A Fazenda Bom Jesus é muito linda, quilômetros e quilômetros de área plana alagada, um cenário que até a Globo descobriu e tirou proveito para sua novela das seis. Mas não se engane, o romantismo logo se vai quando você percebe que o guia do "passeio" está nervoso e assustado com aquela búfala que lhe encara com a determinação de um guerreiro que promete lhe enfiar os chifres caso você decida passar entre ela e sua cria.

Olhei ao redor e não havia nem uma árvore pra poder subir, caso a dita cuja resolvesse correr atrás do inimigo. Era água pra todo o lado, pois estávamos num caminho elevado feito pelo fazendeiro para possibilitar mobilidade na fazenda. O guia diz pra nos afastarmos e começa a gritar "Vai te embora", firme, com sotaque vaqueiro e força macha. E depois de alguns minutos de troca ostensiva de olhares, a búfala se retira em direção a seu filhote. Ficamos sabendo então que nunca se deve passar entre uma búfala e sua cria, sob a pena de sofrer uma corrida e depois muitas chifradas que poderão lhe levar desta pra outra vida.

Depois de algumas paradas pra gritar "Vai te embora", sim porque haviam várias búfalas paridas na fazenda, o resto do "passeio" foi para apreciar o bicho preguiça na árvore, ou a cobra que passou tão rápida na água que só o guia viu, ou então, o jacaré que imaginamos no fundo do alagado, só no verão ou à noite pode ser visto. Ah! Conhecemos o sarará, crustáceo responsável pela cor vermelha dos Guarás. Estas aves típicas da região, ficam vermelhas por comerem sararás que tem alto teor de betacaroteno. Chegamos até o "retiro", lugar onde mora o vaqueiro que toma conta do rebanho de búfalos. Lugar muito simples, sem energia, com água de poço. Ouvimos ao fundo um som de rádio e nada mais. Silêncio absoluto nesta paisagem onde água e búfalos formam um par perfeito. Não tem pra mais ninguém, já se tentou criar gado por aqui mas é inútil, pois só quem gosta de se encharcar nestes alagados é o búfalo. Trazido da Índia no final do século passado, o búfalo se adaptou tão bem na ilha de Marajó que hoje seu rebanho é considerado o maior do país. São quatro as raças: Mediterrâneo, Murrah, Jafarabadi e Carabao. Os chifres mostram as diferenças de raça, pelo menos pra mim que só lembro daquela búfala enfezada no meio do nosso "passeio" preparando as armas.

Fechamos o passeio com um lindo por do sol, remando uma pequena canoa entre as águas da maré que subia e ao som de muitos pássaros, agora meus conhecidos. E não foi só, uma lua cheia do outro lado fazia gol, e acabamos num empate maravilhoso de astros.

No dia seguinte, outro "passeio" nos aguardava. Fomos conhecer a Fazenda São Jerônimo, famosa por ter guia e estrutura turística própria. Começamos numa carroça puxada à búfalo e acabamos numa canoa cheia de folhas de mangueiro, vegetação de mangue arrancada na luta pela sobrevivência enquanto subíamos um igarapé contra a corrente. Segunda aventura da temporada.

Tudo bacana. Caminhada pelo manguezal da fazenda, lindas árvores de raízes aéreas, caranguejos, aranhas caranguejeiras, formigas, pés dentro d'água, tropeções, perdi a tampinha da minha câmera, macaquinhos, etc, etc, etc. Chegamos ao igarapé e é hora de subir o igarapé numa canoa estreita movida a dois remos. Oito pessoas mais dois remadores e lá vamos nós, felizes e tranquilos, achando que a felicidade existe. Até que entramos pelo cano, quero dizer, pelo igarapé de águas torrentes, ou seja, correnteza suficiente pra impedir de mover a canoa com remos. Voltar? Nem pensar, segundo o guia, correríamos o risco de acabar na Baía, quiça no mar. Deriva total.

Caramba! A alternativa era nos agarrarmos à vegetação da margem, os mangueiros, e puxar com força pra vencer a correnteza. Simples assim. Apavorante assim. Hilário assim. Pois foi deste último jeito que decidimos encarar os fatos. Muitas piadas pra distrair e aliviar a tensão, muita força e garra pra segurar os mangueiros, muito equilíbrio pra não deixar a canoa virar (e eu só lembrava daquela música "a canoa virou, pois deixaram virar, foi por causa da ... que não soube remar"), e muita fé de que íamos chegar. Onde? Não importava. Qualquer terra firme e segura, longe de caranguejos gigantes e possíveis cobras e jacarés, que nos livrasse do pesadelo de ter pelo menos duas pessoas afogadas. Sim, duas mulheres não sabiam nadar e só sentimos falta do colete salva-vidas naquele exato instante.

Mas pra encurtar a conversa, depois de uma hora e meia "no limite", chegamos ao improvisado portinho da salvação. Alívio profundo. Caminhamos por entre uma floresta, passamos por alguns totens do antigo programa "NO LIMITE", e chegamos com a sensação de que o dia estava vencido. Ufa!

Mas pra não dizer que não falei de flores, na tarde deste mesmo dia, fomos a uma praia de rio, Pesqueiro, e outra, Barra Funda, nos deliciamos na água doce do rio apesar de rasa e barrenta. Os rios por aqui carregam muitos sedimentos nesta época do ano. Ah! Visitamos também um curtume, um ceramista, o comércio local, e almoçamos um filhote maravilhoso no Paraíso Verde. Carne de búfalo nem pensar por hoje.

Chegada a hora de voltar pra Belém. Depois de um domingo tranquilo, passado na pousada e imediações, Thierry nos levou de madrugada até a balsa pra pegar o micro-ônibus que nos atravessaria e levaria para a barca, e que depois de 3 horas de viagem alguém nos aguardaria no porto de Belém e nos levaria para o aeroporto. Lá pelas 3.30h da tarde de segunda estaríamos em casa. Ufa! Tem que ter fôlego pra ir pro Marajó.

Mas pensa que é só fôlego? Na, na, ni, na, não. Tem que que tem nervos também. No meio da viagem de volta pra Belém, nossa barca decide resgatar uma outra que havia ficado encalhada num banco de areia em plena baía. Como assim? Somos em torno de 600 passageiros, está chovendo, venta bastante, a maré ainda está baixa, corremos o risco de encalhar também e ainda temos que salvar nossos hermanos? Claro que sim, ética marítima, não podemos deixar outra embarcação sem socorro. E aí começa outro perrengue. Foram três as tentativas com uma corda que não me parecia forte o suficiente, mas que depois de vais-e-vens, tentando contornar os problemas de maré, areia, vento e o próprio peso, nossa embarcação conseguiu desencalhar a outra que por um bom tempo ainda tinha seu motor enguiçado. Foram uma hora e meia nesta tensão e na dúvida se conseguiríamos alcançar a tempo o voo em Belém. Felizmente, chegamos na hora do voo e sentamos, ainda molhados, nos assentos da TRIP. Molhados? Sim, esqueci de dizer que quando esperávamos para entrar na barca ainda em Camará, por volta das 6.45h da manhã, choveu chuva de vento e não teve guarda-chuva, nem telhado que impedisse o encharque total. Pintos molhados.

Bom, mas no balanço final, tenho a dizer que no Marajó, a maior ilha fluvio-marítima do Brasil, vimos um pouco de quase tudo, muito pouco mesmo, a ilha é graaaaaaaande demais, mas deu pra perceber que a vida por ali é dinâmica, apesar da quietude da gente, das casas, das ruas, de toda a cidade. Quem manda por lá não é o poder público, isto deu pra notar pelo descaso, descuido, abandono das ruas e construções. Quem manda por lá é a maré que traz água, muita água, e traz peixe, muito peixe, que cria búfalos, muitos búfalos, que alimenta a gente que teima em ficar, simplesmente porque é parte de lá assim como os pássaros, peixes, mangueiros, guaribas, preguiças, sararás, cobras, jacarés e muito mais. São parte deste Planeta Marajoara ainda tão desconhecido de nós brasileiros.


Um comentário:

  1. Adorei as fotos! Estão muito boas!! Mas que aventura, hein?!

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