terça-feira, 30 de junho de 2009

Riqueza tá na gente maranhense

Diz a lenda que o dia em que a serpente, que vive nas águas da baía de São Marcos, encontrar sua cabeça, toda a ilha de São Luis submergirá e com ela todos os seus filhos e riquezas estarão sob água para sempre.

Tudo é possível nestes novos e ameaçadores tempos de aquecimento global, e não podemos dizer que esta é uma lenda absurda; nossos índios com sua sabedoria podem até ver cumprir seus prognósticos, mas se isto acontecer, perderemos muito mais do que recursos naturais, desaparecerá uma das mais ricas manifestações culturais do Brasil, a festa do Bumba-meu-boi.

É de impressionar a diversidade cultural durante os festejos juninos em São Luis do Maranhão. Diferentemente do descuido, descaso e abandono de muito do patrimônio cultural da humanidade, título quase perdido tempos atrás, os bois, estão muito bem obrigado.

Bordado com mãos zelosas e talentosas das mulheres maranhenses, o boi tem vida própria nos braços do "miolo", homem debaixo do pano que dá alma e vida palpitante ao boi. Na verdade, é o boi que carrega a alma humana e dá livre passagem aos desejos do "miolo" por expressão e liberdade.

Vestidos com roupas mais ricas que o mais rico dos nobres, os brincantes, assim chamados nesta grande brincadeira junina, são incansáveis e capazes de virar noite sem nehum reclame ou sinal de cansaço. Imagino que a energia desta gente moveria montanhas se este fosse o objetivo. Mas melhor do que movê-las, é provocar a alegria e a admiração de todos que param pra ver dançar a beleza das gentes e ouvir o som ritimado das zabumbas e matracas. Crianças, jovens, adultos e idosos, brancos, negros e miscigenados, não há regras para participar, a não ser a paixão pela mais pura das artes.

Vem gente de todo o canto e cada canto com sua peculiaridade. O Boi de Guimarães, por exemplo, criado por quilombolas, remanescentes de escravos nas proximidades da cidade de Guimarães, é pioneiro no "sotaque" das zabumbas. O som é visceral e não dã pra não seguir seu ritmo que corre em todas as veias e é quando nos descobrimos negros também.

Eles vem de longe para a festa, com toda a bagagem recheada de saias, calças, chapéus de fitas, e o boi minuciosamente trabalhado em miçangas e paetês, fitas e bordados, tudo muito bem arranjado num design que deixaria qualquer estilista boquiaberto com tamanho talento e perfeição.

Esta gente vem passando suas tradições a séculos e parece que se aperfeiçoaram sem perder suas raízes. Continuam tirando das sementes e folhas do babaçu, do buriti, do dendê, e de outras tantas palmeiras, a fonte de seu sustento, da sua arte e de sua identidade cabocla.

Percebe-se que a história de nossoas raízes estão escancaradas em cada um dos brincantes e explicam tanto do que somos nós brasileiros. Observar esta gente é como se deitar num divã e descobrir de onde viemos, nossos traumas, conflitos, e o por quê de nossa luta por uma sociedade brasileira menos desigual.

No tambor-de-crioulas, três tambores feitos de tronco de palmeira e cobertura de couro, depois de aquecidos na fogueira feita na calçada, tocam tão forte que fazem tremer o chão onde mulheres de sais floridas não páram de rodar e cantar evocando o divido e o profano. Tentativa de sobreviver às agruras da vida escrava? Não há mais senhor de engenho mas percebemos que a resistência continua e numa bela manifestação de alegria.

São Luis estã recheado de arraiais, todos promovidos pelo estado do Maranhão. A organização é nota 10, há policiamento, livretos com programação à vontade e locutores entusiasmados narrando as atrações da noite que acontecem de hora em hora nos palcos.

Depois do banho cultural pelos arraiais, no domingo de manhã, cortando a ilha de São Luis, cheguei a São Jose de Ribamar e avistei logo o santo que protege a cidade. Tão religiosa que tem até seus carros benzidos pelo padre da paróquia. Inusitado! A fila de carros é grande e vem gente de todo lugar a procura da benção.

Chegando a Raposa, a pobreza é evidente, assim como a atividade pesqueira e artezanal. De fome não se morre porque o peixe é farto e a habilidade com os bilros, de impressionar. O restaurante mais famoso da cidade, O Capote, está lotado de ludovicentes (nascidos em São Luis), que vem apreciar mais uma vez a pescada ou anchova na brasa, os mais populares do lugar.

Converso com as rendeiras em suas lojas, compro alguns dos seus trabalhos, muito mais caros nas lojas de São Luis. Aqui elas vivem pro trabalho com as linhas e agulhas enquanto os seus homens descansam nas redes depois de semanas no mar pescando. As palafitas provem o espaço necessário para suas necessidades básicas e quando a maré sobe toca seus assoalhos de madeira e faz boiar o lixo depositado no manguezal.

Tristeza é ver a falta de infraestrutura turística num lugar com tanto potencial. Ruas esburacadas, lixo espalhado pelas palafitas, falta de sinalização e acessos, pier sem proteções laterais, etc, etc, etc.

De barco esqueci um pouco o cenário desleixado pra testemunhar o belo manguezal e a praia maranhense. Águas escuras, o mar nos convida pela temperatura morna e pelas ondas fraquinhas. A praia é ampla e se perde de vista. De volta ao barco ancorado no manguezal, avistamos mais uma vez as lagoas entre as dunas, nos lembrando que os Lençóis Maranhenses serão nossa próxima viagem.

Nosso guia mergulha e nos mostra como se pega rapidamente mexilhão. Sem nenhum equipamento, apenas as mãos, arranca do fundo do igarapé as pequenas criaturas vivas que depois de escaldadas em água fervente viram um super aperitivo ou mesmo um acompanhamento pro arroz.

Falando em arroz, o de cuxá vale a fama de delicioso. Quanto às frutas típicas, o sapoti e o abricó vendidos em barracas nas estradas, são suculentos, doces e não perdem para nenhuma das nossas mais conhecidas frutas.

Voltando pra São Luis depois do passeio a Raposa e São Jose de Ribamar, continuo gastando meu inglês com um Chinês, residente na Austrália, que veio ao Brasil a trabalho. Lucky guy! Nem ele falava uma palavra em português, nem o guia turístico falava um ai em inglês. Sendo assim, euzinha aqui teve que intervir. Consegui, então, retirar do guia as informações que eu não tinha e introduzir o China nas aventuras brasileiras. Ele ficou agradecido e aliviado por não ter desistido do passeio. E pra falar a verdade, em algumas ocasiões o inglês do China, apesar do sotaque carregado, me soou mais familiar do que certas falas que ouvi da boca de pescadores. Sotaque e vocabulário novo pra qualquer turista estranhar.

Agora, estou sentada no trem da VALE, de volta pra Carajás. Fazendo um balanço da viagem, percebo que aprendi demais, e neste saculejo bom, apesar de dia inteiro, estou com vista total para o céu azul-azul, salpicado de grossas nuvens, e o verde dos babaçuais é exuberante. Conversei com muita gente, de funcionários da VALE a trabalho, a acompanhante de gringos Japoneses em visita ao Brazil. Agora sei distinguir um babaçu de uma palmeira de dendê, mas muito mais que isto, aprendi a entender um pouco mais da gente brasileira.

Lá vai o trem cortando o Maranhão de novo, revelando que ainda se tem muito o que fazer nestas terras, só espero que haja a recuperação da floresta ou pelo menos a introdução de atividades autosustentáveis para preservar não só a riqueza natural deste estado mas as raízes culturais escondidas em cada pedaço de chão maranhense.

Se alguém quer ainda conhecer o Brasil de Cabral, venha logo pra estas terras porque aqui ainda tem cheiro de terra molhada, cor de jenipapo e som de sabiá.

2 comentários:

  1. Puxa! Deitou e rolou no Maranhão! Até na Raposa foi! Não é um lugar muito turistico. Pra fotografar é muito bom. E nem precisa ser no genero "salgado". Tudo muito colorido. Nesse ano não deu pra ir (tive que me contentar com Paris e Serro...) mas ano que vem tá na agenda.

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